terça-feira, 13 de março de 2012

banda sonora para sempre.

o artur era um tipo meio distraído que se divertia com coisas simples: um programa de televisão que o fizesse rir, um artigo bem escrito no jornal ou um programa de rádio que o alertasse para coisas sérias...a rir. só não sabia que era sério de mais. nunca tinha ultrapassado os limites, quebrado uma regra e assim, vivia em paz. de consciência tranquila.
a rita estava de cabeça perdida. fazia asneira atrás de asneira e não sabia como parar. parecia que estava "viciada": primeiro tinha sido a experiência das drogas. (conseguiu deixá-las com muito esforço e com a ajuda do tabaco que, estupidamente, ainda fumava). e agora perdia-se na noite. todas as noites saía até às tantas e era capaz de curtir com três ou quatro tipos na mesma noite sem sequer lhes saber os nomes.
um dia, o melhor amigo do artur fez anos. era uma data especial. celebrava o 30º aniversário. por muito que tivesse tentado arranjar uma desculpa, desta vez, artur não conseguiu dizer não e foi jantar fora. "só vou ao jantar", pensava convictamente. "amanhã entro cedo e era o que mais faltava ir trabalhar cansado e não me conseguir concentrar". mas o destino...tinha-lhe preparado uma partida!
a rita acordou tarde, naquele dia. não sabia exactamente quem tinha levado para casa, não se lembrava da cara, quanto mais dos pormenores! estava cansada e com um aspecto terrível. umas olheiras enormes marcavam-lhe o rosto à distância. até um míope conseguia vê-las! "resolvo já isto: tenho aqui um corrector anti-olheiras milagroso!", disse. arranjou a cara, o cabelo e vestiu um vestido justíssimo com as sandálias cor-de-rosa favoritas. "ah, boazona! apesar da vida que levas tens um aspecto do caraças! quem dera a muitas miúdas de 20 anos terem o teu corpinho!". a rita era extremamente confiante: até (e principalmente) quando fazia asneiras. saiu de casa. já tinha em mente a discoteca onde ia conhecer mais três ou quatro gajos naquela noite.
acabou o jantar. o artur levantou-se, pegou no blaser e foi-se despedir do amigo:
- rui, obrigado pela noite. agora tenho de ir. -, tentou dizer com a maior convicção possível.
- o quê? já vais? nem penses! ainda a MINHA noite é uma criança e tu és o meu melhor amigo, porra!
com o ênfase que o rui deu quando disse "a MINHA noite" artur percebeu que não dava para desiludir o amigo. não daquela vez.
- ah está bem! se não fizesses 30 anos e nos conhecêssemos desde o berço, tu vias!, acedeu derrotado.
a rita e o artur viram-se, pela primeira vez, na fila à entrada da discoteca. e o que aconteceu, até hoje, ninguém sabe. mas aconteceu. da diferença brutal de personalidades e atitudes que os marcavam surgiu uma união. uma sensação estranha de se conhecerem desde sempre e de terem mil coisas para partilhar. nunca se tinham sentido daquela maneira. nenhum dos dois. nem quando consumia droga e estava no mais profundo êxtase a rita tinha vivido aquela sensação.
dentro da discoteca não conseguiam parar de olhar um para outro. à medida que as luzes piscavam e as batidas das músicas se confundiam com as dos corações, rita e artur cruzaram-se. não sabem se, antes de dizerem alguma coisa, ficaram presos um no outro 10, 15, 20 minutos ou 1 hora, mas o que é certo, certinho é que, desde aquela noite não se largaram mais. foram juntos para casa do artur e a rita não teve mais necessidade de fazer asneiras. largou-as. melhor, despiu-as. como quem sai numa noite e chega a casa, tira o vestido e o deita fora para nunca mais cair na tentação de o usar.
fizeram planos. foram de férias para fora e conheceram destinos paradisíacos juntos. queriam ter filhos. muitos. uma casa enorme, um cão e uma piscina. ah, e um jardim com baloiços. mas queriam, sobretudo, ser felizes. juntos.
ambos gostavam de música. viviam música. respiravam música. por isso, o artur decidiu comprar um disco para oferecer à rita para terem uma banda sonora que representasse o amor deles. para sempre. Michael Kiwanuka fazia-os sentir em casa e era, sem dúvida, a melhor escolha, naquele momento.
chegou a casa. entrou aos berros, completamente histérico! a rita estava na cozinha e perguntou-lhe com ar de menina de cinco anos:
- então, amor!? o que se passa? estás eufórico!
e tinha motivos para isso: rita abriu o embrulho viu o álbum:
- oh amor!!! amei! a nossa banda sonora!!
artur acrescentou:
- sim. mas abre lá a capa e vê o que está por dentro!
ela abriu. e dentro da caixa do disco, mesmo na abertura redonda do meio do CD estava qualquer coisa a brilhar. ela tremeu. tanto.
- casas comigo?... para esta ser a nossa banda sonora...PARA SEMPRE??, - perguntou o artur com o coração a mil e lágrimas nos olhos.
a rita chorou. de felicidade.
- CLARO!, foi a resposta sem hesitações.
choraram os dois. unidos. beijaram-se. e aquele foi o momento mais bonito das suas vidas. a rita mal podia esperar para contar à melhor amiga e partilhar a felicidade imensa e indescritível com a família! saiu de casa. estava a fazer marcha-atrás para sair da garagem e o artur ouviu, na outra ponta da casa, o estrondo: um carro a alta velocidade conduzido por um homem que estava a responder a uma mensagem no telemóvel bateu no carro da rita. mesmo em cheio no lugar do condutor.
artur ficou em choque. teve de ser levado para o hospital. a rita não resistiu à pancada. e a música "home again" estava em repeat e ouvia-se fora do carro.

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