quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

crónica de um trapo.


Fiquei esquecido algures entre a agulha e o dedal. Sou um trapo vermelho, já um pouco desgastado do tempo. Do tempo e da vida, pois há coisas que, por muito que as minhas linhas sejam resistentes e do mais elegante tecido, não aguentam.

Conheci muita gente ao longo da minha existência. Aqui e ali, entre máquinas de costura, botões e alfinetes de peito, ouvi muitas conversas e participei noutras tantas, no entanto, não percebo porquê, nunca ninguém me escutou. Duvido mesmo que alguma vez tenham reparado em mim; que tenham visto que, sem mim, o casaco, a saia e mesmo as calças teriam um espaço que seria ocupado pelo nada. Um vazio. Um vazio que só eu, trapo viajado, poderia tapar com firmeza.

E foi naquele dia. Naquele dia em que aquela camisola de lã passou eu senti que tinha de fazer parte dela. Queria muito, com todas as minhas forças. De cada vez que ela passa, admirava-a. Ah, como era bela. Entrava na redacção e eu estremecia. Ficava vermelho, sentia o coração a bater tão depressa que tinha receio que alguém reparasse! Ficava inconstante e sentia as minhas linhas confusas na clareza do meu padrão.

E a camisola de lã passava. Passava e olhava-me, tenho a certeza. Sempre na esperança que lhe dissesse um olá, que a minha timidez a par da estupidez, por vezes, não me deixavam pronunciar.

O que é certo é que ainda hoje a camisola de lã passa por mim. O que é certo é que, de quando em vez, saio do armário onde estou com a agulha e o dedal, encho o peito de ar e cumprimento-a. E quando ela passa e vai embora, vão-se embora os trapos que me complementam. Vai embora, no fundo, parte de mim.

sábado, 20 de fevereiro de 2010

que contas teremos para ajustar?

Num Mundo que está ao contrário, que faz do Inverno um quase Verão e do Verão um quase Inverno não são apenas as estações que me fazem reflectir.

Há quem diga que um jornalista não deve ter sentimentos, pois só assim consegue ser objectivo. Não concordo. Um jornalista tem de ter sentimentos e tem de ser humano, não pode é ter escolhas. O sentimento não é uma escolha. É o que faz com o jornalista o seja em pleno, que consiga transmitir tudo o que o rodeia de uma forma simples, clara e tocante.

Ultimamente nós, habitantes do planeta Terra, temos sido constantemente postos à prova. Serão alertas, chamadas de atenção? Primeiro o Haiti e toda a tragédia que lhe foi inerente. Os muitos sismos que não queriam que a população haitiana voltasse à normalidade, o abanar da terra como um puxão de orelhas que os pais dão aos filhos. As mortes. A destruição. Depois dos sismos, a queda de um avião da ajuda humanitária que aumentou o número de mortos. Mais duas vítimas. Uns dias depois, um desabamento numa escola causa a morte de quatro crianças. "Mas isto não é cá. É lá longe.", pensamos nós. Sensibiliza-nos, mas não nos afecta. Continuamos nas nossas vidas e contribuímos das formas que podemos para a reabilitação de um país, de um povo, de muitas vidas. E os portugueses são solidários, lá isso é verdade.

Mas... e quando é aqui ao lado? Quando são pessoas que falam a nossa língua, cantam e sentem o nosso hino? As imagens e os dados da Madeira que me foram chegando no meu turno de trabalho de hoje na SIC foram absolutamente impressionantes. Pelo menos 32 mortos. E é aqui que eu pergunto: que contas teremos para ajustar? Que Deus é este que se diz infinitamente bom e misericordioso? Que Deus é este que nos ensina a perdoar, perdoar, perdoar, mas que teima em castigar o ser humano?

É aqui que tudo fica frágil. Neste ponto. Aqui tão perto.

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Para ti.

"...a quem talvez não vejamos mais, ou talvez sim, porque a vida ri-se das previsões e põe palavras onde imaginamos silêncios, e súbitos regressos quando pensámos que não voltaríamos a encontrar-nos." in A Viagem do Elefante de José Saramago

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

É isso e eu ficar com os cabelos em pé.


Irrita-me solenemente quando as pessoas são parvas. Enquanto caminham para o abismo têm a felicidade de ter alguém que as alerta e não. Preferem continuar a caminhar por quem conhecem apenas há poucos meses. Mas diz que é especial...de corrida!
E às tantas perde-se aquele carinho. Porque a pessoa parece que troça de nós. E a outra aproveita e dá a volta. No final das contas feitas, baralha-se e volta-se a dar e quem avisa é que fica mal no filme.
Enquanto isto, a extensão que me rebentou ontem nas mãos devia ter rebentado no cérebro de alguém! Tenho dito!