quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

a Bia e a mãe.

hoje voltei a vesti-lo. encontrei-vos no dia em que o estreei. o vestido cinzento, às flores.

fui até ao comboio com alguma dificuldade, uma vez que a dor no pé esquerdo não me estava a facilitar a vida. sempre que andava doía menos mas, cada vez que parava e começava a andar a dor era tanta que me saíam gritinhos, sem querer. a juntar a tudo isto a agonia no estômago, por causa da medicação. não se adivinhava uma viagem fácil.

mas a vida está cheia de encontros e desencontros que surpreendem. cheguei ao comboio e adormeci. acordei com um pontapé de uma criança precisamente no ponto da minha dor. tentei disfarçar (espero ter conseguido) e acordei. olhei para a frente e tinha uma menina com mais ou menos 6 anos que viajava com a mãe que, soube mais tarde, tinha 40. a criança fez-me lembrar eu com a idade dela: inteligente e com queda para as artes mas "maria-rapaz"; a mãe tinha um aspecto super jovem e um piercing no nariz.

a menina (Bia, pareceu-me) era extremamente educada e assim que me viu abrir os olhos disse "oh senhora, acho que o seu telemóvel estava a tocar!". verifiquei e não era nenhum dos meus. agradeci-lhe e informei-a. parámos de falar. de repente ela tira a Nintendo 3DS da mochila e começa a jogar. era igual à que eu e os meus pais oferecemos no Natal ao meu irmão, mas era preta. ela jogou, divertida e depois passou à mãe que, com o mesmo sentido infantil, disparou tiros para tudo quanto era lado. achei engraçado. elas tinham uma relação não muito comum, mas muito acolhedora. e identifiquei-me.

"peço desculpa mas há pouco, quando estava a dormir, tive de dar uns tiros perto da sua cabeça", disse a mãe. eu ri-me e começámos a falar da Nintendo 3DS. "o meu irmão tem uma igual. eu sei o vício que isso é. ainda no fim-de-semana passado estivemos os dois a jogar por muito tempo". e tudo começou assim. a dor e a agonia pararam e a conversa fluiu como se nos conhecêssemos há vários anos.

"olha, também tenho jogos aqui no telemóvel. queres jogar?", perguntei eu à -chamemos-lhe assim- Bia. "ahhh...eu quero...se a minha mãe me deixar, claro!", respondeu-me com um sorriso maroto. mal a mãe assentiu pulou para o lugar que estava ao meu lado. expliquei-lhe tudinho e ela, esperta, apreendeu e começou a jogar.

eu e a mãe da Bia conversámos o resto da viagem. se me perguntarem quanto tempo demorou sei que foram 3 horas porque estou habituada a fazê-la e sei a duração de cor. naquele dia pareceram-me 5 minutos. chegou-me a parecer rápida demais, até.

falámos de música, das nossas profissões, idades, namorados, animais de estimação, do local onde vivemos e da actual crise de valores pela qual a nossa sociedade está a passar. concordámos em tantas coisas, discordámos e aceitámos noutras. mas fiquei, não sei porquê, ligada a elas. e tive pena, quando nos despedimos, que não nos voltarmos a ver fosse o mais certo. quando virámos costas estive quase para pedir um contacto. mas não o fiz.

delas fiquei a saber que a Bia é, efectivamente, muito inteligente. é virada para as artes, um pouco distraída nas aulas e está a escrever um livro sobre a "Maria Sangrenta" (penso que era assim); da mãe sei que tem uma profissão com um nome muitooo comprido mas que, no fundo, se resume a aconselhar financeiramente empresas no ramo da moda.

e talvez seja por isso que escrevi este texto. dentre as mil conversas de comboio que já tive, esta foi, sem dúvida, a que mais mexeu comigo. e, quem sabe, se algum de vocês as conhece e as identifica depois de lerem este texto? tentar nunca é errado. e nunca parem de comunicar. as surpresas mais interessantes não estão em caixinhas, como nos fazem crer, desde crianças. muitas vezes, estão mesmo ao nosso lado.



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